O atleta de alto rendimento se preocupa com os mínimos detalhes em relação à sua preparação. Do ponto de vista técnico, a observação feita pelo treinador durante o treinamento nem sempre é a mesma que o atleta faz da sua autoimagem e de seus próprios movimentos. Em alguns casos, tem sido empregado a utilização da vídeo-análise com base na observação de imagens que utilizem um compasso mais moderado no que se refere à velocidade da imagem. Neste caso, a apresentação da imagem ao atleta e ao treinador tem sido feita em câmera lenta a ¼ ou ½ da velocidade de 24 quadros por segundo. Apenas a título de esclarecimento, uma gravação normal é filmada e reproduzida a 24 quadros por segundo, enquanto que a televisão exibe 25 quadros/segundo (no sistema PAL) ou 29.97 quadros/segundo (no sistema NTSC).
Em treinamentos específicos de correção técnica, poder-se-á capturar imagens a velocidades ainda maior usando dispositivos eletrônicos especializados CCD - Dispositivo de Carga Acoplada (Charge-Coupled Device), que alcançam velocidades de até ou acima dos 25 milhões de quadros por segundo. Este tipo de equipamento já foi utilizado com a Seleção Brasileira de Judô no início dos trabalhos do Estrategismo quando eram aplicadas técnicas e equipamentos específicos do cinema. Com o aprimoramento do trabalho, percebeu-se que a alta resolução das máquinas destinadas ao registro da imagem são benéficas neste tipo de análise em específico, mas não são funcionais do ponto de vista da realização do video-scouting na competição por gerar arquivos pesados que prejudicam o processo de download, relocação em videoteca e exibição imediata.
Geralmente, para o processo de análise da imagem, alguns softwares sofisticados podem ser utilizados, porém programas convencionais que ofertem o recurso da câmera lenta podem também satisfazer às necessidades imediatas. Neste tipo de análise podem ser averiguados detalhes a respeito da postura, pegada (kumi-kata), desequilíbrio (kuzushi), preparação (tsukuri); execução (kake), movimentação de pernas (tai-sabaki), execução das técnicas, entre outras variáveis que podem ser avaliadas pelo técnico e comentadas junto ao atleta. Tudo vai depender do objetivo final do trabalho, mas a mudança do padrão biomecânico geral tende a apresentar uma necessidade de repetições em grande escala para reforçar a nova formação de transmissão das informações por engramas motores e sensoriais para o aperfeiçoamento técnico. Isso quer dizer que se temos, por exemplo, um o-soto-gari aplicado pelo atleta, registrado pelo estrategista e, com análise conjunta com o técnico, percebe-se que o movimento precisa de uma maior hiperextensão da perna de alavanca para que o golpe aumente a sua potência. Neste sentido este atleta, em específico, precisará repetir diversas vezes o movimento corrigido para que haja o reforço sensorial e a fixação do novo movimento modificado.
O treinamento exaustivo de um movimento (técnica) tende a automatizar esta ação e esta prática de repetição facilita a memorização de um gesto eficiente a partir de uma nova conexão neural. O engrama motor é um traço permanente deixado por um estímulo no protoplasma tecidual desta nova conexão, que seria como acender um palito de fósforo. Toda vez que riscar a caixa a marca daquele gesto fica prensado na caixa, que podemos entender como nossa memória. Toda vez que formos estimulados a repetir determinada ação, vamos reler aquele risco, reinterpretando de acordo com a situação em nos encontramos e executando conforme foi repetido exaustivamente em momentos anteriores.
Vale destacar que o movimento às vezes observado como incorreto ou mal realizado é identificado com uma necessidade de correção. No entanto, se o movimento é eficiente não há porque corrigir a sua plasticidade ou execução, mas poder-se-á encontrar recursos para aprimorar ainda mais a realização de tal ação sem remodelar a forma motora global. Portanto, sempre que o atleta observar suas imagens em competições e treinamentos é válido que se busque discutir com o técnico que o acompanha no clube ou na seleção suas dúvidas e percepções a respeito de si mesmo e de seus adversários, sendo este processo de auto-observação e a interação com o técnico para a interpretação compreendidos como mais uma ferramenta para o aprimoramento das ações.
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MATARUNA, Leonardo. Auto-Observação em Treinamento. Blog do Estrategismo. Publicado em 03 de Agosto de 2013. Rio de Janeiro: CBJ, 2013.